Com alguma freqüência diária somos confrontados pelos mais variados episódios que a vida em sociedade pode nos proporcionar.
Equiparado a um espetáculo teatral assim é a vida, que se inicia no exato momento do abrir das cortinas e se encerra com o fechar desta. Mas o que nos prende a atenção, como se fossemos crianças encantadas com o primeiro contato de uma mágica, são as diversas cenas desta peça.
Cenas estas que por muito se repetem e quase sempre com a mesma intensidade, sendo capaz até mesmo de extrair do mais atento espectador uma pequena lágrima de alegria, um sorriso maroto, ou quem sabe até mesmo uma manifestação de repúdio para com a mensagem transmitida pelos protagonistas da peça.
E qual seria o motivo para que se desperte da galáxia do sentimento tão variadas reações? Qual a narrativa deste enredo tão misterioso, e que se demora a apresentar?
Pois bem. O enredo desta peça consiste na questão do abandono de idoso. Crime ou castigo? Eis a polêmica que se passa a apresentar para os mais novos espectadores desta cena, sem, porém, ter a pretensão de se esgotar o assunto.
Há quem sustente que um idoso abandonado come dos frutos venenosos de uma árvore a qual um dia plantou, razão pela qual o seu abandono, por ele mesmo provocado, constitui a maior pena aplicada pelos seus próprios pares, cujo cumprimento será no mais profundo mar da solidão. Para estas pessoas o abandono caracteriza um castigo.
Outros afirmam que um idoso abandonado reluz o que há de mais sórdido em uma família, o total descaso e intrepidez para com aquele pioneiro, responsável pela própria fundação da família, o primeiro conquistador dos seus valores, cultura e patrimônio, sem dúvida o maior sinal de que o mundo beira a marginalidade e a falta de compreensão. Certamente a maior demonstração de que seus pares não foram capazes de retribuir, com a mesma dedicação e carinho, os mesmos cuidados que tiveram quando ao mundo vieram. Para estas pessoas o abandono caracteriza um crime.
Evidente que estes são apenas alguns argumentos apresentados pela sociedade, que rapidamente apresenta suas opiniões e razões, com a mesma velocidade de uma flecha lançada por um arco a dividir uma maça colocada sobre a cabeça de uma criança, porém sem a mesma precisão.
Diga-se de passagem, que a falta de precisão dá-se em razão da ausência de uma análise jurídica sobre a temática em tela, embora alguns insistam em analisar o problema sobre um ângulo isolado da sociologia.
Evidente que não estamos a defender a unhas e dentes os direitos dos vovôs rabugentos e valentões, tampouco das vovós ranzinzas e incapazes de dominar sua própria conduta. Estamos sim preocupados em entender o novel Estatuto do Idoso, Lei 10.741 de 12° de Outubro de 2003, e com os eventuais problemas decorrentes da aplicação desta lei, sem, portanto, ter a pretensão de explorar minuciosamente o tema em comento, apresentando tão somente linhas gerais para reflexão.
Necessário dizer que o Estatuto considera idosas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art.1°), afirmando que o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social (art.8°), além de garantir entre outros direitos, a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar (art. 37).
Bem certo é que muitas pessoas tiveram seu ego abalado pela expressão “idoso”, por assim não se sentirem, sustentando ainda que a expressão é demasiadamente vexatória. Basta dizer de imediato que algumas autoridades públicas passam a gozar de certos direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso.
Vale dizer ainda que a expressão “idoso”, já constava no texto da Constituição de 1988, fazendo menção no art. 229 de que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, e no art. 230 de que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Assim, apresentado os principais pontos desta polêmica, retoma-se a questão inicialmente proposta. Idoso abandonado. Crime ou Castigo?
O Estatuto do Idoso preocupado em solucionar esta questão estatuiu em seu art. 98 que abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado, constitui crime punível com detenção de seis meses a três anos e multa.
Assim, acreditamos que o referido Estatuto pretende alçar uma bandeira de caça aos vilões, colocando um fim a carreira dos transgressores dos direitos dos idosos, que insistiam, sem qualquer discrição ou pudor em abandonar idosos em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres.
Certamente, serão reduzidas grandes partes das mais variadas histórias narradas com freqüência por idosos abandonados em asilos e hospitais, já que constitui dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso, e ao Ministério Público promover as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
Mas o que merece especial destaque é o fato de que o Estatuto, além de considerar o abandono como crime, garante ao idoso o seu direito de moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar.
Vale dizer, que de nada adiantará reclamar do vovô, da vovó, ou quem sabe até mesmo da sogra, pois certamente se assim quiserem, poderão optar por findar o que resta de suas vidas ao lado daqueles de que tanto querem bem.
Assim, o Estatuto do idoso ao transpor as barreiras do dever moral para a obrigação jurídica, poderá criar diversos problemas, já que poderá o Poder Público, assegurar ao idoso o direito de habitação no seio da família natural, contrariando a própria vontade familiar.
Ansiamos que o Poder Público, ao decidir sobre questões desta natureza, não esteja com os olhos vedados para outros tantos problemas familiares, haja vista que decisões radicais, poderão ser fonte causadora de violência no âmbito da relação familiar. Aliás, não podemos deixar de fazer menção ao dogma constitucional assumido pelo constituinte de 88, já que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (§8º, Art. 226, CF).
No entanto, acreditamos que a vigência do Estatuto do Idoso será determinante para germinar as primeiras sementes para a efetiva proteção do idoso, que há muito fora rotulado como desprovido de qualquer amparo legal.
Por fim, esperamos colher bons frutos da terra em que se plantando tudo dá.
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