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terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Sonho de um homem estranho - F.DOSTOIEVSKY




...E de repente, quase sem notar, eu me vi nesta outra terra,
envolto numa luz de sol brilhante, tão bela como o paraíso ...

Parecia que tudo ao redor irradiava uma alegria,
algo como uma vitória que havia sido alcançada,
algo grandioso e sagrado

O mar calmo cor de esmeralda esparramava-se
Suavemente sobre a praia, abraçando-a com um
amor manifesto,aparente, quase consciente
Havia lá árvores altas e lindas na mais esplêndida
florescência e suas incontáveis folhas me davam boas-vindas
com seu murmúrio gentil e suave, como se estivessem
sussurrando palavras de amor

O gramado brilhava com flores fragrantes,
e pequenos pássaros cortavam o ar em revoada,
sem medo algum, pousavam em meus ombros e mãos,
batendo alegremente suas pequenas e adoráveis asas trepidantes

E finalmente eu vi e conheci as pessoas daquela terra feliz.
Eles mesmos vieram a mim, eles me cercaram
e me abraçaram

Filhos do sol, do seu sol. Como eram belos!
Jamais havia visto tal beleza no homem.
Talvez apenas em nossas crianças mais novas seja possível
Encontrar um reflexo remoto daquela belezaOs olhos daquelas pessoas felizes eram preenchidos de
um brilho resplandescente

Seus rostos irradiavam inteligência e um tipo de
consciência que alcançava o nível da tranquilidade, e
ainda assim, aqueles rostos eram alegres.
Uma felicidade inocente soava nas palavras e nas vozes
daqueles homens

E de uma só vez, no primeiro relance de seus rostos,
Eu percebi tudo!
Essa era uma terra não corrompida pelo pecado
Sobre ela viviam homens que não haviam pecado ...

E eu entendi imediatamente que, em muitos aspectos
Eu não deveria nem mesmo tentar entendê-los...
Parecia incrível, por exemplo, que eles,
que sabiam tanto não possuíssem ciência. O
conhecimento que eles possuíam era ampliado e derivado de
revelações que diferiam daquelas da nossa terra,
e que suas aspirações eram totalmente diferentes

Eles não tinham quaisquer desejos e eram serenos
Eles não aspiravam pelo conhecimento da
vida, como nós procuramos explicá-la,
como a própria ciência tenta concebê-la, de forma a
ensinar os outros a viver.
Eles, no entanto, sabiam viver e eu entendi isto

Eles eram cheios de vida e alegres como crianças
Passeavam por seus maravilhosos bosques,
cantavam canções adoráveis, viviam de
alimentos leves, das frutas de suas árvores,
do mel de suas florestas
E do leite dos animais que os amavam

Eles trabalhavam pouco e de forma leve
por seus alimentos e roupas.
Eles eram dotados de amor e geravam filhos,
mas eu nunca observei neles aqueles impulsos de
voluptuosidade cruel que afetam todos da nossa terra – todos –
e que são a fonte exclusiva de quase todo pecado na raça humana

Eles se alegravam com os recém-nascidos como
novos participantes de sua felicidade.
Eles nunca discutiam e não havia ciúmes lá,
eles nem mesmo entendiam o que essas coisas significavam

Não havia realmente quaisquer doenças entre eles, embora
houvesse a morte. No entanto seus idosos faleciam
suavemente como se fossem dormir, cercados de homens que
se despediam deles e os abençoavam, e eles partiam
acompanhados por sorrisos serenos.
Nessas ocasiões, eu não percebia tristeza nem lágrimas, havia apenas um amor quase ao nível do êxtase, mas um êxtase calmo e tranqüilo.Eles eram tão completamente convencidos de sua vida eterna
que isso nem mesmo constituía uma questão para eles
Eles não possuiam templos, mas neles havia uma certa
comunhão incessante, diária e viva com todo o universo

Eles glorificavam a natureza, a terra, os mares e as florestas
Eles gostavam de compor canções e se elogiavam como
crianças. Aquelas eram canções simples, mas eles as invocavam
do coração e elas o penetravam. E não apenas com músicas, mas parecia que eles passavam suas vidas a admirar uns aos outros.

Era um tipo de encantamento mútuo, completo e universal...

F.DOSTOIEVSKY